O impeachment e a violência no campo: duas faces da mesma luta de classes João Pedro Stedile
O enfrentamento está nos gabinetes, nas periferias e nos acampamentos
rurais
A votação do impeachment, que está em uma semana decisiva, explicita os
interesses das classes dominantes e a disposição delas em reverter os
prejuízos decorrentes da crise econômica mundial. É a luta de classes
nos gabinetes.
O Brasil vive uma grave crise econômica, política e social, e, nesse
cenário, o poder econômico quer recompor suas taxas de lucro. Mas aqueles
que detêm esse poder não vão sair da crise sozinhos. Para isso, eles
precisam acabar com as conquistas sociais, retirar direitos dos
trabalhadores, privatizar as elétricas e o pré-sal, e implementar o
projeto neoliberal.
Esse projeto das elites está sendo apresentado pelo PMDB sob a forma do
que seria um futuro governo Temer. Então, o que está em jogo é se
voltaremos ao neoliberalismo ou não. É para isso que eles precisam tirar
a presidenta Dilma. E isso é elemento central da luta de classes, que se
acirra.
Eu acredito que a sociedade se mobilizou e denunciou que o que está
acontecendo é um processo político que têm motivações espúrias que
nada têm a ver com o comportamento da presidenta Dilma e seu governo. E
essa consciência está levando as pessoas às ruas em luta pela
democracia, que é o que está em risco neste momento.
Segundo a avaliação de diversos analistas políticos que tenho
acompanhado, o Governo vai perder na Comissão, mas vai ganhar no plenário
da Câmara. Isso porque os promotores do processo ainda não conseguiram
provar que a presidenta tenha cometido algum crime. Realizar pedaladas
fiscais é um artifício contábil que todos os presidentes da República
fizeram e que, dentre os atuais governadores, 24 deles já praticaram.
Então, se isso for considerado um crime, também deveria ter impeachment
de todos eles.
Acho que depois das votações, há apenas dois cenários possíveis. Se
não houver golpe, a presidenta Dilma sai fortalecida, porém terá a
missão de remontar seu governo a partir de outras bases. Remontar o
ministério, agora em diálogo com as forças da sociedade, não apenas com
os partidos, e retomar o programa que a elegeu em outubro de 2014. Eu
espero que Lula seja o coordenador desse processo.
Se houver golpe, entraremos em um governo de crise com desfecho
imprevisível, pois 80% da população não aceita um governo
Temer-Cunha-Mendes, nem um programa neoliberal, que vai trazer ainda mais
problemas para o povo brasileiro. Então, se houver golpe, a crise
política se aprofundará, e não haverá saída a curto prazo.
Longe do Planalto, a luta de classes usa armas de fogo. Em Quedas de
Iguaçu (PR), a aliança entre oligarquias e governos locais matou dois
trabalhadores rurais na última quinta-feira (7), justamente no mês em que
relembramos os 20 anos do Massacre dos Carajás.
O que aconteceu no Paraná foi uma provocação organizada pelo secretário
da Casa Civil do Governo do Estado, que tem laços históricos, financeiros
e políticos com a empresa que grila a terra que pertence à União. Ele
quis mostrar serviço aos seus patrocinados e promoveu a provocação que
levou às duas mortes.
Essa tragédia demonstra como as elites reagem quando se sentem impunes.
Foi nesse mesmo contexto que aconteceram, há 20 anos, os massacres de
Carajás, Corumbiara, sem contar os massacres nas cidades, em pleno governo
FHC. Porque a vitória político-ideológica do neoliberalismo nas urnas
sinalizou às elites mais truculentas de que agora se pode agir de forma
impune.
De nossa parte, não nos acovardaremos, porém tomaremos todos os cuidados
possíveis para não cair em provocações nem em armadilhas da violência
do latifúndio. Nosso papel como MST é o de seguir a luta pela reforma
agrária. Seguiremos ocupando os latifúndios improdutivos. Seguiremos
ocupando as terras de políticos, empresas e fazendeiros que estão em
dívida com a União por sonegarem impostos e por não pagarem empréstimos
em bancos públicos.
Sabemos que há mais de 5 milhões de hectares nessas condições em todos
os Estados do Brasil, e que se poderia assentar mais de 130 mil famílias.
Isso é o equivalente a todos os nossos acampados. E não será necessário
que o governo gaste um centavo em indenização.
Seguiremos nossa luta por uma reforma agrária popular, que significa na
atualidade, além de ocupar o latifúndio improdutivo, produzir alimentos
saudáveis e sem agrotóxicos para toda a população.
Comentários
Postar um comentário