Jornada de Agroecologia completa 15 anos e registra avanços na educação no campo
Por Camila Rodrigues da Silva e Michele Torinelli
Especial Jornada de Agroecologia
Amar o campo ao fazer a plantação,/ Não envenenar o campo é purificar o pão/ Amar a terra e nela plantar semente / a gente cultiva ela, e ela cultiva a gente
Ao som de “Caminhos Alternativos”, do poeta Zé Pinto, começou nesta quarta (27) a 15ª Jornada de Agroecologia em Lapa, sul do Paraná – que se estende até sábado (30). Mais de três mil pessoas de todo o país participam do evento, além da brigada internacionalista, que conta com militantes do movimento campesino da América Latina e da Europa.
Os 15 anos da Jornada trouxeram avanços importantes relacionados principalmente à educação do campo. O dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Paraná (MST-PR) Armelindo Maia, conhecido como Beá, elencou algumas delas: “Temos nossas escolas de agroecologia de ensino médio e graduação, a Escola Latino Americana de Agroecologia, que está na 4ª turma; mudança das grades de educação no campo na rede de escolas de ensino fundamental e médio, mais próxima da nossa realidade; além de universidades com cursos de graduação e mestrado”, enumerou.
Análise de conjuntura
João Pedro Stedile, dirigente nacional do MST e o militante de agroecologia, Vanderley Ziger participam de análise de conjuntura.
“Essa Jornada não é mais só do Paraná nem só de agroecologia. É um encontro, um festival que se transformou em uma referência no Brasil e em toda a América Latina”, definiu João Pedro Stedile, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que iniciou as atividades com uma análise de conjuntura junto ao militante de agroecologia, Vanderley Ziger.
Stedile destacou os interesses do capital no golpe em curso no Brasil. “Em momentos de crise, a primeira medida é aumentar a exploração sobre o trabalho, diminuindo salário, botando metade dos trabalhadores na rua. A segunda é disputar a mais-valia social, ou seja, os impostos e as rendas direcionadas a serviços públicos. Hoje, está em jogo R$ 220 bilhões. A terceira medida é se apropriar das empresas públicas e o capital está de olho no Banco do Brasil, na Caixa, na Petrobras e nas hidrelétricas como a Itaipu, que é a maior fábrica de dinheiro do mundo. A quarta medida é se apropriar dos recursos naturais, como a água”, disse.
Para ele, o golpe foi uma articulação do poder econômico para aplicar essas quatro medidas clássicas e reverter sua taxa de lucro. “Não foi um golpe contra Dilma, pessoalmente”.
“A crise do capitalismo não é só da forma de produção, mas do Estado burguês. Os governos de todo o mundo não conseguem controlar o capital”, conclui.
Stedile lembrou ainda as ações de Temer já concretizadas contra a agricultura e os camponeses, como o fim do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que interrompeu todas as políticas públicas em favor dos camponeses, a aprovação da lei que autoriza a pulverização de agrotóxicos e a transferência do Incra para a Casa Civil. “ ‘Fora, Temer’ é sinônimo de agroecologia e Reforma Agrária”, sintetizou.
Durante sua fala, Vanderley Ziger ressaltou os desafios que se colocam para a agricultura familiar e que também dizem respeito à educação, à cultura e à pesquisa. Ele aponta que cada vez se investe menos no ensino no campo. Por outro lado, há projetos inovadores que devem ser aprofundados, como a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), que já tem dez anos, mas que também vê seu projeto popular ameaçado por uma visão voltada ao agronegócio. “É fundamental que as universidades estejam cada vez mais alinhadas com o projeto de agricultura familiar”, defende.
O militante da agroecologia destaca ainda a necessidade de valorizar os saberes e os costumes locais, em contraposição a um consumismo que assimila os produtos que vêm de fora sem senso crítico. Em relação à pesquisa, indica que é preciso reconhecer a importância da conservação das sementes, fundamental para a autonomia dos povos. “Mas as políticas públicas estão indo no sentido contrário. E o pior é que quem ousa propor um outro projeto e denunciar o agronegócio, é criminalizado”, denuncia.
“Políticas públicas não se fazem sozinhas. Grande parte da verba que passou pela mão do agricultor foi parar nas grandes empresas. Não adianta o recurso do bolsa família se os beneficiários não forem politizados. Essa é a questão central para nós da agricultura familiar: não adianta multiplicar os recursos para o agricultor se não conseguirmos trazê-los para esses espaços de formação”, complementa.
Para Ziger, no entanto, o palco que deve centralizar ações de luta é a rua. “Esse é um espaço bacana, mas precisamos de mobilização. É importante fazer a crítica no Facebook, na internet, nas nossas associações, aqui. Mas precisamos de gente na rua consciente, não sem saber o que está fazendo vestida de verde e amarelo, mas lutando pelos seus direitos”, convoca.
A atual crise é uma oportunidade para que, além de de mais atenção, a classe trabalhadora possa se reorganizar. Um processo que, segundo Ziger, já é possível sentir. Ele indica a Frente Brasil Popular como um importante espaço para a atuação unitária, já fortalecida entre os trabalhadores do campo, mas que precisa mobilizar os trabalhadores da cidade para a luta comum contra o golpe.
Referências e trocas
A escolha do local não foi aleatória: Lapa é um município onde cerca de 40% da população ainda vive no campo, organizada em 68 comunidades. Além disso, a cidade abriga iniciativas de referência nacional sobre agroecologia, como o Centro Paranaense de Referência em Agroecologia e o Instituto Agronômico do Paraná.
Seis desses locais serão espaços para oficinas de experiências agroecológicas, que acontecerão nesta quinta (28). Os participantes poderão escolher entre 40 oficinas oferecidas.
Na sexta, haverá seminários temáticos sobre agrotóxicos, sementes, educação no campo e soberania ambiental.
No último dia será produzida uma carta com a síntese das propostas e iniciativas populares para o próximo período.
Fonte: www.mst.org.br
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