FORUM NACIONAL DE EDUCAÇÃO DO CAMPO – FONEC
III Seminário
Nacional Brasília, DF, 26, 27 e 28 de agosto de 2015. DOCUMENTO FINAL
A história nunca se fecha por si mesma e nunca
se fecha para sempre. São os homens, em grupos, e confrontando-se como classes
em conflito, que “fecham” ou “abrem” os circuitos da história. (Fernandes, F.
Circuito Fechado. 2010, p.11)
O Fórum Nacional
de Educação do Campo – FONEC realizou, nos dias 26,27 e 28 de agosto de 2015,
em Brasília, o III Seminário Nacional . Participaram 114 pessoas, representando
os movimentos sociais e sindicais do campo, os Centros Familiares de Formação
por Alternância – CEFFA’s, as Pastorais Sociais, os Centros Acadêmicos dos
Cursos de Licenciatura em Educação do Campo, professores e professoras representando
um conjunto de universidades, que assinam o presente Documento.
O Seminário teve
como objetivos: analisar o contexto da Educação do Campo na relação com os
determinantes sociais fundamentais da conjuntura nacional atual e a política
educacional em curso; realizar um balanço da situação da Educação do Campo nas
regiões, destacando-se os limites e potencialidades de mobilização e
organização dos fóruns estaduais; identificar e analisar os principais desafios
para construção de uma política pública de Educação do Campo nas regiões; e
discutir o papel do FONEC na atualidade, projetando sua atuação em âmbito
nacional e estadual.
Afirmamos o
FONEC como espaço de articulação das lutas dos trabalhadores do campo pelo
direito à educação de qualidade social, materializando ações de disputa de
formulação de políticas públicas que participem da composição da política
educacional brasileira. 1. O contexto atual O momento atual de crise econômica
nos faz recordar que as crises são comuns e da natureza do capitalismo. Essa
condição impõe uma leitura em perspectiva histórica, para compreender a maneira
como o sistema político é peculiar em cada momento, para compreender as tarefas
políticas do presente.
Vivemos, de 2002 a 2014, um pacto exitoso de
poder em que a estratégia adotada pelo Governo, no campo da economia, foi de
manter de pé o nacional-desenvolvimentismo 2 ancorado nas exportações
primárias, investindo fortemente em crédito e infraestrutura para o agronegócio
(incluindo a mineração), e no plano social, ancorado na ampliação dos direitos
sociais e no aumento da massa salarial e do consumo.
O começo do ano
2015 começou a indicar um novo arranjo, com mudanças abruptas na política
econômica, conhecido como ajuste fiscal. Este ajuste, compreendido como
“socialização de perdas” para compensar os lucros de quem está no topo da
pirâmide social, se expressa em cortes em setores fundamentais da economia,
anunciando-se ainda um ajuste estrutural para cortar recursos dos fundos de
financiamento dos direitos sociais de quem está na base da pirâmide, tais como
previdência social, saúde, incluindo os fundos de financiamento da educação
básica, por meio de obrigatoriedades e condicionalidades para transferências de
recursos, a sistemas de avaliação com base em produtividade do sistema
educacional público. Tais anúncios, se confirmados, aprofundarão ainda mais os
já graves problemas da educação dos/as camponeses/as. Ocorre que “a história é
um campo aberto de possibilidades”(Mészáros, 2005, p. 13) e as crises abrem
espaços para mudanças.
Se o modelo em
crise é aquele que abriu as frentes para a expansão do agronegócio com todas as
suas mazelas, esta crise interessa aos trabalhadores e aos camponeses que lutam
contra o projeto hegemônico do capital na agricultura, pois a crise desorganizou
o pacto de poder que permitiu tal hegemonia. Os avanços construídos no período devem
desafiar as organizações dos/as trabalhadores/as para construir e avançar sobre
a consciência dos direitos, politizando os direitos sociais e organizando a
luta no plano da consciência sobre a ameaça da mercantilização dos direitos
sociais conquistados.
2. A Educação no
contexto atual A mudança no conceito de desenvolvimento que se operou nos
últimos 12 anos, no Brasil, alavancado pelo consumo, provocou um processo de
espiral crescente e positiva na economia, trazendo o debate do grande
empresariado sobre a produtividade do trabalho, com implicações para a
educação, por tratar-se de um dos fatores a impactar a alavancagem do aumento
da produtividade. O desenvolvimento dos trabalhadores do ponto de vista
educativo é um componente relevante no cálculo da produtividade e esse sempre
foi tema em torno do qual os empresários estiveram atentos. No contexto da
última década, atentaram-se para a necessidade de mexer no processo educativo
como componente dos processos de elevação da produtividade e, por razões
ideológicas ou práticas, os empresários decidiram que a educação não pode ser
deixada para os educadores. Para esses, a educação também é um mercado. E uma
mercadoria.
3 O empresariado
quer acesso à verba pública. Para eles, não é apenas uma questão de redução dos
gastos, desde que o Estado tenha assegurados os fundos para seus negócios e
deixe de gastar com educação pública, transferindo o fundo público para as
iniciativas privadas de educação. O fenômeno do pré-sal acirra essa pressão.
Esse movimento do capital em torno da educação é um fenômeno internacional, e
internamente ao Brasil, a organização que coordena essa ofensiva é o movimento
Todos pela Educação. Do ponto de vista prático, existe a cooptação no campo
acadêmico e a articulação de um corpo técnico, também repercutido pela mídia,
mostrando a fragilidade do setor público. Estamos entre dois caminhos: o
primeiro, orientado pela agenda dos reformadores educacionais que pressionam
pela aplicação das reformas empresariais às escolas, organizando-as com base em
metas e controle do processo produtivo, com procedimentos bem definidos de
maneira a conduzir o resultado, já expresso no Plano Nacional de Educação –
PNE. O segundo, que representa os/as trabalhadores, incluindo os/as camponeses,
aposta na formação humana situada num quadro econômico e social e, portanto,
deve ser pensada no conjunto da sociedade e não como uma ação específica numa
escola reformada segundo a lógica empresarial. A disputa atual se estabelece na
elaboração, pelo Ministério da Educação da Base Nacional Comum Curricular e do
Sistema Nacional de Educação, como parte do projeto “Pátria Educadora” sem
discussão com as organizações da sociedade que representam os interesses dos
estudantes e educadores. O “Pátria Educadora” se referencia na lógica
empresarial para a educação, cujo efeito perverso será a destruição da escola
pública, permitindo o acesso dos sistemas privados de ensino, aos fundos
públicos, em nome da qualidade na educação. Alguns estados como Goiás e Pará já
realizam estes experimentos por dentro da rede estadual de ensino. O PRONATEC
constitui-se em experimento emergencial deste conceito de educação associada
aos interesses diretos do capital. No campo, já se experimentam arranjos desta
nova política, pela abertura a Programas executados pelos setores do
Agronegócio (Souza Cruz, Syngenta, Monsanto entre outros), muitos deles
denominados “Educação do Campo” e utilizando-se de seus conceitos para
afirmar-se junto às escolas, aos educadores e às comunidades. 3. Balanço da
Educação do Campo Na Educação do Campo, consideramos que esta última década
constituiu-se num período exitoso no que se refere à legitimação e à
institucionalização do direito à educação dos camponeses, tais como o Decreto
da Educação do Campo; o Procampo-Licenciatura em Educação do Campo e o
Pronacampo. Ademais destes programas, o Pronera e seus resultados demonstram
que vivemos uma década de avanços.
4 Por outro
lado, a persistência de um índice de 20,8 % de pessoas adultas analfabetas e
uma escolaridade de apenas 4,4 anos de estudos, em média, agravada pelo
fechamento ininterrupto e crescente de escolas, turmas e turnos no campo (nos
últimos 11 anos, 37 mil escolas tiveram suas atividades encerradas) indicam que
a agenda de avanços institucionais encontrou seus limites no enfrentamento a
esses temas e exige a revisão dos mecanismos até agora utilizados. Assim mesmo,
vivemos importantes momentos de mobilização em torno da Educação do Campo no
contexto atual, como a realização do II Encontro Nacional de Educadoras e
Educadores da Reforma Agrária – II ENERA, o Encontro das Licenciaturas em
Educação do Campo, estando nas mãos dos protagonistas de tais mobilizações –
movimentos sociais, professores/as e universidades, potencializar esses
esforços em mecanismo de pressão, em movimento contra-hegemônico. Nossa luta
deve ser por educação pública, mas afirmando o campo e a luta pelo acesso à
terra e pelas condições de permanência nela, porque o direito à educação
somente lá chegou pela luta dos/as camponeses/as. Mas chegou precário e o que
chegou está em processo de desmonte. O panorama da Educação do Campo no Brasil
indica que o modelo de agricultura e o modelo cultural que o agronegócio
carrega consigo, se universalizaram e se temos problemas semelhantes, nossa
causa é única. O momento de turbulência, de crise, indica possibilidade de
mudanças. O Fórum Nacional de Educação do Campo – FONEC deve ser um espaço de
elaboração e direção política sobre a atuação em todos os espaços e territórios
conquistados e a conquistar. Em 2004 e 2005, fizemos uma rodada pelo País,
constituindo os comitês e fóruns de Educação do Campo, mas passado esse
período, em que pese algumas conquistas no campo institucional, assistimos a um
processo de desmonte dos espaços a duras penas e contradições construídos,
comprometendo nossa força coletiva, o que implica na necessidade de uma
formulação superior acerca da relação com o Estado, pois “o monstro é grande e
pisa forte”. O Pronacampo e o sistema de acesso às políticas via Programa de
Ações Articuladas – PAR, que obriga os municípios e estados assumirem os
compromissos do “Todos pela Educação”, aparta e imobiliza a ação dos movimentos
sociais, das comunidades e suas iniciativas. Concluímos pela necessidade de uma
estratégia articulada de enfrentamento ao capital, que avança de forma
intensiva, vem desmontando a educação pública por meio de iniciativas
parlamentares, Ministério Público, Judiciário, entre outras de caráter
administrativo, executadas pelos estados e municípios.
5 Em muitos
estados há diversas iniciativas e ações em Educação do Campo, mas não chegaram
ainda a constituir-se em uma força coletiva unificada, porque estão
desarticuladas. O capital se apropria das terras e do conhecimento. Cabe aos
movimentos a grande aliança, para fortalecer-nos em torno da Educação do Campo
como defesa da educação pública.
Desta forma,
assumimos nacionalmente o compromisso com um conjunto de desafios e proposições
que devem instituir-se em cada região, estado e município. DESAFIOS/PROPOSIÇÕES
1. Apoiar e
fortalecer os fóruns e comitês estaduais e municipais, organizando a
articulação das ações existentes, com protagonismo dos movimentos sociais –
locais, estaduais e nacionais.
2. Construir
unidade na análise de conjuntura – sociedade, desenvolvimento, campo e
políticas educacionais e apresentá-la em outros espaços que debatem o tema da
educação, como o Fórum Nacional de Educação.
3. Organizar uma agenda unificada, com posição
clara sobre o Pátria Educadora, mecanismos de empresariamento da educação,
sistemas de avaliação, fechamento de escolas, EJA, PNAE, reconhecimento dos
cursos de Licenciatura em Educação do Campo nos concursos para o magistério,
entre outros.
4. Realizar um mapeamento da realidade
educacional no Brasil na forma de um diagnóstico analítico e propositivo – cada
estado fazer o seu – mapas, vídeos, fotografias dos territórios com/sem escola,
mas também com experiências exitosas e experiências exitosas interrompidas.
5. Articular as
lutas da Educação do Campo com as lutas gerais da classe trabalhadora e outros
fóruns e espaços de participação e proposição de políticas públicas –
agroecologia, economia solidária, soberania alimentar, defesa da escola pública
.
6. Elaborar Nota
Técnica com posicionamento acerca do fechamento das escolas do campo (com
proposta concreta para viabilizar a construção de escolas no campo), aprofundar
realidade da EJA e enfrentar o tema da multissérie como precarização e discutir
a Base Nacional Comum Curricular.
7. Construir
maior organicidade e ações articuladas voltadas para o fortalecimento dos
cursos de Licenciatura em EdoC, a Pedagogia da Alternância, envolvendo os
estudantes e licenciados; acompanhar como estão e onde estão os egressos.
8. Realizar lutas em defesa da educação
pública.
9. Defender o PRONERA, com aumento dos
recursos e desburocratização, mantendo o protagonismo dos movimentos sociais .
10.Realizar
Audiências Públicas para discutir fechamento/construção de escolas. Articular
as frentes parlamentares em Educação do Campo nos estados, além dos órgãos do
Ministério Público e orientar as comunidades sobre como proceder mediante a
ameaça de fechamento de escolas.
11.Realizar a III Conferência Nacional de
Educação do Campo. EDUCAÇÃO DO CAMPO: DIREITO NOSSO, DEVER DO ESTADO!
Assinam :
o CPT o ARCAFAR
o APP Sindicato o CONTAG o MST o RESAB o ACEFAS o RESAB o EFAORI Goiás o AGEFA
o UNEFAB o EFA Marabá o SINTEPE o AEFARO o RACCEFFAES o MEPES o AMEFA- MG o
AECOFABA o AGEFA – RS o UAEFAMA o REFAISA-BA o MOC o COMITÊ DE EDUCAÇÃO DO
CAMPO – ES o UFPA o UFT o UFSC o UFPE o UnB o UFRGS o UFV o UFRB o UNIFESSPA o
UFAM o UNIMONTES o IFRN o UFCG o UNICAMP/FEEC o UFRR o IFMA o UFPR o UERGS o
UNEB o IFPA o UNICENTRO o UNICAMP/UPT o UEFS o SEDUC –Pará o SED-SC o SED-AM
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