Novo impulso na luta contra os agrotóxicos
Fórum reunindo movimentos, universidades e Ministério Público aprofundará debate sobre venenos agrícolas e mobilização por um novo projeto para o campo
Por Inês Castilho
Os agrotóxicos foram responsáveis por mais de 25 mil pessoas intoxicadas entre 2007 e 2014, no Brasil. Calcula-se que a subnotificação seja de 50 para cada caso, o que soma 1.250.000 pessoas. São responsáveis por mortes, malformações, contaminação de bebês e leite materno. Por inúmeros casos de câncer. O que mais precisamos saber a respeito desses venenos para a saúde humana, animal e do ambiente?
“É uma questão de misericórdia”, disse o médico Paulo Saldiva, atual presidente do IEA – Instituto de Estudos Avançados da USP e um dos comentaristas do Jornal da Cultura, na audiência pública Exposição aos agrotóxicos e gravames à Saúde e ao Meio Ambiente. “As evidências são mais que suficientes. Trata-se agora de criar um espaço permanente, com reuniões regulares, onde se construa uma narrativa que sensibilize tanto a sociedade quanto os governantes.”
Esse espaço, em São Paulo, é a partir de agora o Fórum Paulista de Combate ao Impacto dos Agrotóxicos e Transgênicos, criado no encerramento da audiência pública realizada na Faculdade de Saúde Pública pela Defensoria Pública de São Paulo e Defensoria Pública da União, nos dias 29 e 30 de agosto, com a presença de renomados cientistas.
O Fórum paulista é o 20º fórum estadual no país, além do Fórum Nacional. Como os outros, seu objetivo é articular as instituições do Ministério Público, as de ensino superior e a sociedade civil no combate ao uso indiscriminado de agrotóxicos, e discutir medidas de proteção ao meio ambiente, à saúde do trabalhador e do consumidor. Terá comissões sobre regulamentação legislativa, saúde, agroecologia, meio ambiente e saúde do trabalhador.
No Brasil, a receita com a venda de agrotóxicos saltou de US$ 2 bilhões para mais de US$ 7 bilhões entre 2001 e 2008, alcançando valores recordes de US$ 8,5 bilhões em 2011. Assim, já em 2009, alcançamos a posição de maior consumidor mundial de agrotóxicos, ultrapassando a marca de 1 milhão de toneladas, o que equivale a um consumo médio de 5,2 kg de veneno agrícola por habitante. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), somos o principal destino dos agrotóxicos proibidos pelas autoridades sanitárias na União Europeia e nos Estados Unidos.
Para quem trabalha em contato direto com eles, o risco é de intoxicação aguda, caracterizada por irritação da pele e olhos, coceiras, dificuldades respiratórias, convulsões e até morte. Já quem os ingere, a quase totalidade da população brasileira, pode ter intoxicação crônica, resultando em infertilidade, aborto, desregulação hormonal, malformações, impotência, dificuldades respiratórias, efeitos sobre o sistema imunológico e câncer.
Seu uso desmedido tem contaminado o solo e a água usados por comunidades indígenas em todo o país, denunciou a antropóloga Lúcia Helena Rangel, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) na audiência pública. O problema vem somar-se à difusão de sementes transgênicas – uma das responsáveis pelo aumento exponencial do uso do veneno no Brasil –, como ocorre nas comunidades guarani no Vale do Ribeira. Os trens que passam por ali carregando milho deixam cair sementes que tendem a espalhar-se e ocupar o espaço das nativas. “É o mesmo que acontece com o milho transgênico dos Estados Unidos, que solapa a diversidade do milho mexicano”, exemplificou.
Sônia Corina Hess, da Universidade Federal de Santa Catarina, apresentou experimentos feitos com ratos que beberam água contaminada por glifosato, em quantidade muito menor do que a permitida pela legislação brasileira. Vale lembrar que, embora seja o agrotóxico mais usado no Brasil, o glifosato não é monitorado no Brasil. “Todos desenvolveram tumores, tanto do sexo masculino quanto do sexo feminino, e alterações metabólicas muito intensas”. A professora afirmou que o herbicida 2,4-D pode apresentar as mesmas substâncias tóxicas presentes no Agente Laranja, desfolhante usado na Guerra do Vietnã que ficou famoso por ser altamente cancerígeno e causar malformação em fetos.
A lei nº 13.301, sancionada recentemente por Michel Temer, que permite a pulverização aérea de agrotóxicos para controle do mosquito Aedes aegypti, faz parte de uma estratégia de desmonte do sistema de regulação do uso de agrotóxicos no Brasil que, desde 2008, ocupa o primeiro lugar no ranking mundial de consumo de venenos agrícolas, ultrapassando até os Estados Unidos. Se for executada, pode abrir caminho para aumentar as pulverizações aéreas de agrotóxicos em áreas rurais, que já geram ínumeros impactos às comunidades.
No Espírito Santo, a pulverização de venenos agrícolas provocou uma tragédia denunciada nacionalmente em 2011, quando a aplicação de venenos sobre uma monocultura de café contaminou crianças em uma escola rural e algumas comunidades rurais em Vila Valério, noroeste do Estado.
A cereja do bolo, como disse a professora Sonia Hess com seu humor cortante, é que os agrotóxicos recebem no país reduções de alíquotas em tributos federais (IPI, PIS/COFINS, II) e estaduais (ICMS).
Fonte: www.outraspalavras.net/blog/2016/09/13/novo-impulso-na-luta-contra-os-agrotoxicos/
Comentários
Postar um comentário