Produtivismo e alienação
Debate realizado na Unicamp lança luz sobre as principais patologias universitárias contemporâneas
Muitas universidades usam recursos públicos para custear professores de escassa contribuição ao ensino
Muitas universidades usam recursos públicos para custear professores de escassa contribuição ao ensino
No mês passado, este escriba participou de mesa sobre o tema em epígrafe. O evento integrou as comemorações de 50 anos da Unicamp, foi organizado por Wilson Cano e presidido por Aníbal Vercesi, professores da própria universidade. Integraram a mesa os colegas Jorge Olimpio Bento, da Universidade do Porto, em Portugal, Valdemar Sguissardi, professor aposentado da Universidade Federal de São Carlos, e Luiz Carlos Wrobel, da Brunel University, na Inglaterra.
Bento dissecou as patologias com erudição, recorrendo a bons séculos de pensamento humanista. Sguissardi combinou objetividade e visão crítica em sua análise sobre o arenoso tema. Em contraponto construtivo, Wrobel fez elucidativa apresentação sobre o modelo inglês, que busca aumentar o impacto social dos investimentos em pesquisa.
O produtivismo é uma perversão da produtividade. Produtividade refere-se à capacidade de criar algo de valor a partir do uso maximizado de recursos. Uma fábrica que usa menos energia e aço para produzir mais carros é mais produtiva em comparação às suas concorrentes, gera mais lucro e polui menos.
Um hospital com melhor uso de seu corpo médico e dos leitos para atender a mais pacientes é mais produtivo comparado a outros e gera maior benefício social. Da mesma forma, uma universidade que maximiza seus recursos e cria mais conhecimento, contribui para gerar patentes e outros benefícios, é mais produtiva em relação a outros estabelecimentos do gênero.
Produtivismo é outra coisa. Ser produtivista é produzir sem se importar com a qualidade ou a finalidade do que é produzido, é acumular estoque condenado a virar sucata. Na universidade, ser produtivista é pensar na geração de conhecimento como se fosse uma ultrapassada linha de manufatura, é alienar-se da missão de gerar conhecimento, transmiti-lo e ajudar a transformá-lo em algo útil para a sociedade. Para alguns observadores, o produtivismo é doença autoimune, cria da própria comunidade acadêmica. Resposta desvirtuada a uma demanda social legítima, o produtivismo é puro jogo de cena.
Tristemente, o produtivismo viceja em nossas universidades. Muitos pesquisadores agem como capatazes de fábrica, a supervisionar doutorandos e mestrandos. Pesquisas são fatiadas em pedaços para alimentar vários artigos, é a “ciência salame”. Jovens pesquisadores são induzidos a atuar como ghost-writers para produzir artigos assinados por seus orientadores. Escreve-se cada vez mais e lê-se cada vez menos. Multiplicam-se os burocratas, desaparecem os intelectuais.
A preocupação com a produtividade científica é legítima e constitui fenômeno mundial. Nos países desenvolvidos, espera-se que os recursos destinados às universidades sejam bem geridos e retornem na forma de benefícios para a sociedade. Nos países em desenvolvimento, essa demanda ganha urgência. Entretanto, muitas universidades convivem com irresponsável complacência, usam recursos públicos para custear professores e pesquisadores de escassa contribuição ao ensino ou à ciência.
Há duas décadas, este escriba ouviu de um gerente industrial um discurso triunfante: sua fábrica batia recordes de produção. O gerente planejava bom uso para o bônus a receber no fim do ano. Fora da fábrica, entretanto, a situação era de desalento. A área de vendas não conseguia comercializar a produção, excessiva e de qualidade inferior àquela demandada pelos clientes. O setor de logística alugava, a preço de ouro, armazéns para estocar o produto encalhado.
O departamento de compras, enquanto isso, recorria a bancos para financiar a compra de matéria-prima. Em suma, a empresa tomava emprestado dinheiro caro, para produzir a um ritmo alucinante um produto não desejado por seus clientes. Qualquer semelhança entre essa situação e a de nossas universidades pode ser mais do que simples coincidência.
Há luz no fim do túnel? Talvez. Depois de décadas de discussão, o conceito de impacto social do conhecimento começa a ganhar status de política pública. O Reino Unido configura-se como grande laboratório para as novas políticas e práticas. Seu sistema nacional de avaliação passou, há pouco tempo, a considerar o impacto social da pesquisa na avaliação das universidades e para alocação de recursos. A solução não deve ser vista como panaceia, porém duas ou três lições podem estar a caminho.
Fonte: www.cartacapital.com.br
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