O ANALFABETISMO JUVENIL E O ENSINO SUPERIOR
Otaviano Helene24/02/2012
Para
saber que nível educacional é o necessário para cada um e para a sociedade
como um todo, em um determinado momento histórico e em um determinado
país, há que se responder a algumas perguntas. O nível educacional mínimo
oferecido para a população permite, a todos, a plena conquista dos direitos
de cidadania? Os quadros profissionais formados respondem às necessidades
do país? O sistema educacional é um instrumento para superar as desigualdades,
objetivo especialmente relevante para países com altos níveis de desigualdades
como o nosso, ou está, ao contrário, sendo usado para mantê-las? A evolução
da educação formal ao longo do tempo é adequada? O nível educacional médio
da população é suficiente para garantir a soberania nacional frente
às demais nações?
Vamos examinar
esse último ponto, em especial, vamos ver como nos comparamos com os demais
países. Não vamos nos estender em análises muito detalhadas. Vamos examinar
apenas dois indicadores que revelam o desempenho recente nos dois extremos
do sistema educacional, a alfabetização juvenil e a taxa de matrícula
no ensino superior. Esses dois indicadores são suficientes para uma
avaliação ampla, embora não detalhada, do nosso sistema educacional.
Afinal, a alfabetização juvenil reflete o desempenho do sistema educacional
em períodos recentes e a taxa de inclusão no ensino superior reflete
tanto as possibilidades do país no que diz respeito à formação de uma
força de trabalho mais sofisticada como as possibilidades de progressão
de um estudante ao longo do sistema educacional. Vamos, também, nos restringir
aos países da América do Sul, participantes da mesma realidade geopolítica.
Na tabela
aparecem as taxas de alfabetização juvenil e as taxas brutas de matrícula
(1) no ensino superior dos países sul-americanos segundo dados sistematizados
e divulgados pela Unesco.
País
|
Taxa de
alfabetização de jovens entre 15 e 24 anos. Ano de referência: 2009
(%) |
Taxa
bruta de matrícula no ensino superior (graduação e pós‑graduação).
Ano de referência: 2010
(%) |
Argentina
|
99,2
|
71
|
Bolívia
|
99,1b
|
39a
|
Brasil
|
97,8b
|
36
|
Chile
|
98,9
|
59
|
Colômbia
|
97,9
|
37
|
Equador
|
96,8
|
40b
|
Guiana
|
...
|
11
|
Paraguai
|
98,8a
|
37
|
Peru
|
97,4a
|
35c
|
Suriname
|
99,4b
|
12d
|
Uruguai
|
99,0b
|
63
|
Venezuela
|
98,4a
|
78
|
Fonte
dos dados: Unesco Institute for Statistics, consultada em fevereiro/2012.
a:
2007; b: 2008; c: 2006; d: 2002; ... não há dados recentes disponíveis.
|
No que
diz respeito à alfabetização juvenil, o Brasil ocupa a terceira pior posição
entre os países sul-americanos, apenas melhor do que o Peru e o Equador. Devemos
observar que esses dois países apresentam realidades populacionais bem
diferentes das nossas: entre 20% (Equador) e 45% (Peru) da população desses
países falam línguas diferentes, têm hábitos, valores, tradições culturais
e atividades econômicas também bastante diferentes daqueles da maioria
da população e se concentram, ainda, em regiões específicas do país.
Assim, não apenas escolarizá‑los e alfabetizá‑los é mais difícil, como
as conseqüências do analfabetismo (como as possibilidades de inserção
econômica e social no meio em que vivem) são menos graves (2). O Brasil não
tem essas características: nossa população, embora seja uma composição
de diferentes povos originários de várias partes do Mundo, com a exceção
de cerca de 800 mil indígenas (0,4 % da população e parte deles integrada
ao restante da população), fala a mesma língua e tem basicamente os
mesmos valores culturais, ou pelo menos não tão diversificados como as
populações daqueles outros dois países. Além disso, a porcentagem da população
urbana é bem maior no Brasil (82%) do que no Equador (63%) e no Peru (73%)
(3), fator que certamente facilita a escolarização. Como praticamente
a totalidade da população brasileira está inserida na mesma realidade
de produção e relações econômicas, o analfabetismo juvenil entre nós
tem conseqüências sociais muito graves: dos jovens analfabetos entre 15 e
24 anos, muitos são analfabetos urbanos, que disputam posições de trabalho
com o restante da população, e todos precisam interpretar a mesma realidade.
Quanto
aos indicadores quantitativos do ensino superior, estamos em melhor
posição, no que diz respeito às taxas de matrícula e entre os países sul‑americanos,
apenas do que Guiana, Suriname e Peru. Vale lembrar que Guiana (antiga
Guiana Inglesa) e Suriname (antiga Guiana Holandesa) são países cujas independências
ocorreram apenas no final do século XX, carregando, assim, uma carga histórica
pesada do mesmo tipo daquela carregada pelas ex‑colônias africanas recentemente
independentes e que estão entre os países mais pobres do mundo (4). Ainda
como comparação, nossa taxa de matrícula no ensino superior, de 36%, é
cerca da metade daquelas encontradas na Argentina (71%) ou na Venezuela
(78%). Além disso, devemos observar, esses dois últimos países apresentam
taxas de privatização do ensino superior menores do que as nossas.
Esse
breve balanço mostra que, mesmo comparado com países que ocupam o mesmo espaço
geopolítico que nós, nossa situação é bastante preocupante. Evidentemente,
uma análise apenas quantitativa é insuficiente para uma visão ampla do
problema. Entretanto, os dois índices analisados mostram a dimensão dos
problemas que teremos que enfrentar para construir uma real democracia.
Notas:
(1) A
taxa bruta de matrícula é a relação entre a população matriculada em um
determinado nível educacional, independentemente da idade, e a totalidade
da população na idade correspondente àquele nível educacional.
(2) Essas
observações não pretendem, evidentemente, minimizar as conseqüências
do analfabetismo, mas, sim, estabelecer parâmetros referenciais que
permitam comparar países diferentes.
(3) http://www.nationmaster.com/,
consultada em fevereiro de 2012
(4) A
taxa de alfabetização juvenil do Suriname, relativamente alta, sugere
que esse país pode estar enfrentando seu atraso educacional a partir dos
níveis iniciais.
Otaviano
Helene, professor no Instituto de Física da USP, foi presidente do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Para mim um absurdo o país mais rico, com maior economia
latino-americana, sexta economia do planeta com uma educação medíocre dessas!!
estamos no nível intermediário dentro do nosso próprio continente a América
Latina isso é uma vergonha!! cadê as nossas riquesas e nossa distribuição!!!
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